LOC.: Preguiça é uma palavra que não existe no dicionário de Maria Rosa de Souza, 52 anos. A baiana, nascida e criada na roça, mora hoje em Brazlândia, no Distrito Federal, fazendo o que mais gosta desde pequena. Hoje, Maria sonha em participar de programas federais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Maria Rosa é uma das fundadoras da Associação Agroecológica das Mulheres Rurais do Assentamento Canaã, que conta hoje com cerca de 30 mulheres. Por lá, elas plantam de tudo, como ela mesma descreve, e diz que não se vê fazendo outra coisa.
TEC./SONORA: Maria Rosa, agricultora
“Aqui é onde eu tiro o meu sustento, o meu e da minha família, graças a Deus. Eu gosto do que eu faço, gosto de trabalhar com verdura, gosto de trabalhar na roça. É por isso que gosto e amo demais.”
LOC.: Um estudo da Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, mostrou que a participação das mulheres no PAA alcançou 80% em 2019, número que já vinha crescendo desde 2009. Para a Conab, essa participação “revela que a capacidade produtiva das organizações compostas por mulheres tem se fortalecido e minimizado os problemas de comercialização de seus produtos, além de valorizar a mão de obra feminina e de garantir sua autonomia econômica.”
O PAA tem entre os objetivos promover o o à alimentação e incentivar a agricultura familiar. Hoje, o programa é executado com recursos dos ministérios da Cidadania e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Entre as modalidades do programa, estão compra com doação simultânea, compra direta da agricultura familiar e apoio à formação de estoques. E Maria Rosa quer ser parte disso tudo.
TEC./SONORA: Maria Rosa, agricultora
"Se eu ‘tivesse’ um programa que nem o PAA era bom demais. Só vejo falar, mas por enquanto ainda não entregamos para o PAA, não, mas ‘to’ querendo. A Emater veio aqui fazer uma reunião com a gente e estou torcendo para dar certo.”
LOC.: No entanto, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) contesta esse otimismo. Em abril deste ano, cerca de 800 movimentos sociais de todo Brasil pediram às esferas do governo a retomada do PAA, que estava paralisado por conta da pandemia. A solicitação era para que as autoridades concedessem um aporte emergencial de R$ 1 bilhão ainda neste ano, mas o governo federal liberou apenas metade disso.
Beth Cardoso, do Grupo de Trabalho Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia, acredita que essa participação de mulheres no programa caiu muito neste ano, também como reflexo do novo coronavírus.
TEC./SONORA: Beth Cardoso, GT Mulheres da ANA
“Acredito que vai diminuir muito a participação de mulheres nesse ano porque diminuiu muito a execução do PAA. Nos últimos 12 anos, já tivemos um corte que chega a 90%. Com a pandemia, nem o orçamento já previsto para esse ano acredito que vai ser executado integralmente. Foram menos compra, então muito menos mulheres e homens comercializando pelo PAA.”
LOC.: Mesmo com o cenário não tão animador, Beth defende que, ainda assim, há uma participação forte das mulheres na execução do programa. Segundo ela, o PAA é um tipo de política pública que favorece esse público, já que, tradicionalmente, são elas que se preocupam e ocupam da produção para o autoconsumo.
E mesmo quando não estão diretamente no campo, as mulheres contribuem para o aumento da produção. Isso porque, segundo Beth, são elas que culturalmente acumulam os serviços domésticos.
TEC./SONORA: Beth Cardoso, GT Mulheres da ANA
“Temos que fazer o reconhecimento que elas são fundamentais no trabalho de reprodução da agricultura familiar. Mesmo quando ela está fora da lavoura e assumindo o trabalho doméstico, ela está dando uma contribuição muito grande para que a produção seja maior. As mulheres têm uma participação e uma importância muito maior do que o Censo mostra.”
LOC.: De acordo com o último Censo Agropecuário, mais de 15 milhões de pessoas ocupam estabelecimentos rurais no País. Apenas 19% são mulheres, o que corresponde a menos de um milhão desse total.
Reportagem, Jalila Arabi.